Durma com um
barulho desse, de Antônio Evangelista
Eram seis horas da manhã. Alguns moradores
chegavam do trabalho, outros se preparavam para pegar no batente. As crianças
sonolentas seguiam para a escola. Até que um transeunte curioso parou de andar
quando percebeu algo de anormal. Aos poucos, um a um ia parando e olhando na
mesma direção do transeunte curioso.
Alguns
olhavam incrédulos. Outros faziam galhofas. Outros ainda filmavam com a câmera
do celular para postar no Instagram ou no grupo do Whatsapp. A nova mania
nacional! Todos cochichavam entre si ou com seus botões.
- O que esse louco faz em cima do
muro?
- Parece até que está morto! Vejam
como ele espuma pela boca!
De fato, havia um homem deitado em
cima do muro. Um muro estreito que o deixava com os braços e as pernas
pendentes, como um bicho preguiça. O que realmente o denunciava morto. Abaixo
havia outro muro, com cacos de vidros que impediam a entrada de invasores
gatunos. E o portão da casa ao lado era todo com lanças pontuadas.
A rua já estava repleta de curiosos
que, até apostavam sobre a situação do pobre homem. Uns apostavam que ele
estava morto; outros, que estava bêbado! Vejam até que ponto chegou o ser
humano. Havia até uma repórter de uma TV muito famosa por ser sensacionalista.
Somente uma pessoa teve o coração
tocado para chamar uma ambulância do Corpo de Bombeiros: um menino que vendia
jornais nas suas horas vagas da escola.
Com os bombeiros chegou uma viatura
da polícia, que já pedia para a multidão dispersar para os heróis poderem
trabalhar.
Os bombeiros chegaram no ponto onde
estava o suposto moribundo que, atordoado, começou a se levantar. O tenente da
operação fez as perguntas de praxe: qual o nome, quantos anos tinha e quantos
dados ele mostrava na mão.
Os corajosos socorristas conseguiram
resgatá-lo e trazê-lo até a rua, onde os que apostaram que ele estava morto
reclamavam o dinheiro perdido. Ainda atordoado com tanta gente, com os olhos
vermelhos de tanto lacrimejar e com bastante coriza escorrendo pelo nariz,
perguntou o motivo de tanto alvoroço. Se havia alguma celebridade ou político
naquele bairro. A repórter se aproximou e falou:
- Por favor, senhor. Diga para os
nossos espectadores como se sente depois de juntar tanta gente na rua, nos seus
quinze minutos de fama e qual motivo o fez ficar em cima do muro.
- Eu me sinto muito é incomodado!
Ontem eu estava com uma baita dor de cabeça, chorando pelos olhos e pelo nariz
de tanta gripe. Fui até a UPA, estava lotada, fiquei o dia todo esperando e
quando chegou a minha vez, o médico foi chamado para uma cirurgia de emergência.
Saí de lá furioso, parei uma birosca, tomei umas pingas e, à noite, fiquei
perambulando pela rua. Não consegui dormir a noite toda. Só agora de manhã.
Quando eu estava começando a relaxar, escutei essa zoeira toda. Quem consegue
dormir com um barulho desse, madame?
Mosaico, de Brunno Vianna
Uma janela. De frente para
ela, outra janela. Luzes acesas. Dançam feito vagalume. Ruas vazias. Olhar a
lua virou um costume.
Clima de Tensão, de Brunno Viana
Tira um sapato e o outro.
Abre a porta. Fecha a porta. Passa álcool em gel na maçaneta. Passa álcool em
gel nas mãos. Espirra. Clima de tensão! Corre para o banheiro, lava a mão, lava
a torneira, lava o mundo inteiro e aguarda, mas outro espirro não vem. Sente um
alívio. Senta no sofá, pega o controle remoto e liga a televisão. O telejornal
fala sobre a pandemia. Muda de canal. O outro telejornal fala sobre a pandemia.
Clima de tensão! Liga para os amigos. Uns dão boas notícias, outros dão más
notícias. Desliga a televisão. Precisa ir à farmácia. Abre a porta. Fecha a
porta. Passa álcool em gel na maçaneta. Coloca um sapato e o outro. Olha para o
sol. Espirra. Clima de tensão! Pensa em ir ao médico mais tarde. Pensa em não
ir. Precisa ir à farmácia. Sai. Em menos de quinze minutos já está em casa
novamente. Tira um sapato e o outro. Abre a porta.
Bons contos! Parabéns!
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