Não
sei se Hamlet é o primeiro homem moderno. Não digo que não o é, apenas constato
a minha dúvida, sabendo desde já que a negatividade da resposta não desmerece a
obra shakespereana, que inspirou sem sombra de dúvida, nomes como Fiódor
Dostoiévski, Johann Wolfgang, Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche e Lacan. Afirmar ou negar qualquer coisa a respeito
desta obra de Shakespeare é quase o mesmo que caminhar na corda bamba com perna
de pau.
Em síntese, Hamlet é um dos personagens mais complexos, admirados e apaixonantes
da literatura mundial, suscitando distintas interpretações que permeiam,
inclusive, o Tempo Presente.
Shakespeare
esboçou em linhas dramatúrgicas o que acontecia em seu tempo. Retratou a época,
mas com suma perfeição. Independente de qualquer coisa, inaugurou a capacidade
de autoreflexão ao colocar o homem diante da
morte e diante de si mesmo. Portanto, Hamlet é um homem livre, mas ainda refém
de uma força superior, no caso, o espectro do pai que pede a vingança. Na
quinta cena, Hamlet chega a apelar ao céu e ao inferno, o que demonstra que
apesar do autor ser renascentista, a obra se passa em plena Era Medieval.
A origem inglesa do autor certamente pesa na obra. Ao
contrário de outros países da Europa, o protestantismo adentrou a Inglaterra de forma gradual, o que
justifica a catolicidade dos personagens shakespereanos. E o protestantismo é
justamente uma das vias do Renascimento.
Os
soldados avistam o epectro do rei falecido, logo, avisam ao príncipe Hamlet. O
espectro diz que foi assassinado e que está a condenado a vagar pela noite e
jejuar nas chamas durante o dia até pagar os seus pecados, mais uma representação
do dogma católico – o purgatório. O espírito ainda lamenta que morreu sem a
extrema-unção e sem a confissão.
Nesta
conjuntura, Shakespeare levanta questões comuns ao ser humano, questões que
permeiam a vida e a morte, reflete uma nova maneira de pensar em Deus, uma
maneira que gradualmente se concretiza no ideário moderno.
É bem
provável que Shakespeare tenha se inspirado na hoje esquecida Tragédia Espanhola
de Thomas Kid e na história do príncipe dinamarquês Amlet, contada por Saxo Grammaticus no livro Historiae Danicae, e que
deve ter chegado ao conhecimento do nosso autor por meio da versão de François
de Beelforest, em Histories tragiques (1570).
Agora,
com minhas breves observações introduzidas, posso garantir que o meu
questionamento é puramente de cunho filosófico. Ele surge diante da subjetividade
do próprio personagem, que não tem a consciência de assumir os atos por si
mesmo e vive na eterna dúvida de ser ou não ser, abrindo margem para ser uma
intercessão entre o pensamento medievo e o pensamento moderno, amparado, ainda
assim, pelos caracteres da tragédia grega, sobretudo, em uma linguagem edpiana.
Em
nome do pai, Hamlet, o príncipe da Dinamarca resolve se vingar do tio, agora,
seu padrasto, e portanto, ocupante do trono da Dinamarca. Orestes, personagem
da tragédia grega Electra, escrita por Eurípedes passou por um dilema
semelhante. Precisava, a mando do deus Apolo, vingar o assassinato do pai,
matando a assassina, que no caso, era sua mãe. Visto que já não cabia inserir o
panteão grego na Era Medieval, tampouco, na Moderna, fora utilizado o espectro
do próprio rei, que em vez de ordenar, pede a vingança. Percebe-se aí o livre
arbítrio.
Há
muita coisa em comum entre as duas obra clássicas. Hamlet conta com a amizade
de Horácio, enquanto, Orestes conta com a amizade de Pílades. Tanto Shakespeare quanto Eurípedes bebem da
fonte de Aristóteles. Além disso, ambos os heróis estão de regresso do
estrangeiro. Essas coincidências não são em vão, visto, que os autores
renascentistas buscam resgatar os valores da antiguidade clássica. Há quem diga
que o helênico não carrega a agonia de Hamlet, mas pode-se dizer que Electra
carrega.
Bibliografia
ARISTÓTELES. Arte Poética. São
Paulo: Martin Claret, 2007.
______. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin
Claret, 2007.
BRANDÃO, Juanito de Souza.
Teatro grego: tragédia e comédia. 10. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.
ÉSQUILO. Trilogia de Orestes.
Rio de Janeiro: Ediouro, 1988.
LORANT,
André. Hamlet. In: GRIMAL, Pierre. Dicionário de mitologia grega
e romana. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 436-439.
SHAKESPEARE,
Willian. Hamlet. Porto Alegre: L&PM, 2008