sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Que seja Doce, meus Queridos amigos

(Por Leandro Moraes)


                Era sexta feira e eu decidi que passaria meu final de semana comigo mesmo, sozinho, se possível trancado no quarto sem ver ninguém. Impossível quando se tem em mãos PARA SEMPRE TEU, CAIO F. Uma espécie de biografia escrita pela jornalista Paula Dip, mais que amiga, irmã de alma de Caio. O livro se utiliza de depoimentos de amigos, cartas trocadas entre Caio e Paula e as lembranças da jornalista para reconstruir não só a vida de um dos maiores escritores do país, mas para radiografar uma sociedade, os costumes, seus personagens perdidos em uma metrópole cruel que engole seus “filhos” e agregados que chegam de toda parte. De Porto Alegre em 60 à Europa em 70, até São Paulo em 80, à morte em 96, o livro vai nos mostrando a personalidade ora doce, ora ferina de Caio; Nos apresenta um homem-gay capaz de não sair de casa por causa de uma junção entre Urano e Saturno, mas disposto a enfrentar de peito aberto o fuzil de um militar; Nos exibe um ser humano ímpar, tanto pelo seu talento ( ele era um ourives das palavras, um mago da língua) quanto pelo seu desprendimento com os bens materiais, tão valorizados pela geração coca-cola e se o meu desejo de isolamento já estava abalado pelos seres recriados no livro, ele ruiu definitivamente quando dei play em QUERIDOS AMIGOS, série de Maria Adelaide Amaral exibida em 2008 e que eu (graças a Deus, ou não!) assisti e anos mais tarde comprei o box para guardar. No primeiro contato não fui capaz de entender a grandeza da obra, mas após a maratona imerso naquele universo pude sentir, de modo sensível, claro, mas ainda distante o que realmente foi a ditadura brasileira e a ressaca da “turma” nos anos que seguiram o seu final; Se no livro podemos imaginar os personagens, na série eles ganham corpos, trajes, trejeitos, cores, e vão nos guiando por uma São Paulo acinzentada, pontuando momentos importantíssimos como as primeiras eleições diretas em anos, a vitória de Collor, a inflação galopante, a informática, Sassá Mutema, sempre muito bem temperado pelos seus dramas pessoais; Atores inspirados, um texto bem amarrado, sensibilidade à flor da pele, todos os ingredientes necessários para que o programa já figure entre as melhores produções já realizadas pela Tv Globo e é claro que meu encantamento por essas obras se deve em parte pela reconstrução fiel dos anos 80, época mítica na minha cabeça, pelo meu ávido desejo de ter vivido tal década ( azar o meu ter nascido em 89) e pela admiração que tenho por Caio, (agora) por Paula e por Maria Adelaide Amaral; Não me lembro muito bem quando foi a primeira vez que experimentei Caio Fernando Abreu, lembro apenas ter sido marcante ao ponto de se tornar meu objeto de estudo no último ano de Faculdade; Maria Adelaide foi com Anjo Mau. Era fã da novela e passava meus fins de tarde, lá atrás, em 1997, observando as peripécias de Nice e seu incontrolável desejo de ascensão social. Depois vieram suas minisséries históricas, seus remakes e seus livros, que foram suficientes para me tornar admirador de sua obra, de sua vida, de sua postura. Paula, mulher bonita, inteligente, mãe, divorciada, talentosa, meio tímida, pra mim, antes, quase desconhecida, hoje, quase amiga. Ele um escritor dito maldito, gay, depressivo, profundo conhecedor de astrologia, um “estrangeiro em sua terra natal”, ácido, capaz de proferir belas palavras aos amigos e em seguida críticas ferinas capazes de “destruir” seu alvo. Maria Adelaide é portuguesa de nascimento, brasileira por formação, fumante, esposa, jornalista, também admiradora da nobre arte dos astros; Meu deslumbramento acontece também graças a três jornalistas, três sobreviventes, três hábeis “fotógrafos” da realidade brasileira durante e após a ditadura e capazes se de valerem das agruras individuais para falarem do coletivo, de conseguirem discutir tempos obscuros , remexerem em tudo que foi coberto pelo manto da opressão, esmiuçarem a psicologia humana, questionarem as regras e, em tempos diferentes, plantarem a semente da esperança numa sociedade até então Mofada, como os morangos do Sempre Nosso, Caio F.
                                                                                                                                                                                                                              Leandro de Moraes