quinta-feira, 31 de março de 2016

Crítica Teatral: "Dorotéia - Uma Farsa Irresponsável"


Não sou crítico de teatro. Sou apenas um espectador que se encanta com qualquer tipo de arte. Desta vez  venho falar sobre "Dorotéia - Uma Farsa Irresponsável", peça escrita por Nelson Rodrigues. Trata-se da história de uma prostituta que cansada da beleza decide se refugiar na casa das parentes feias. O diretor Jorge Farjalla consegue com segurança desnudar a dramaturgia rodriguiana. É o típico de peça que causa náuseas. Graças! Não me permito sair do teatro em estado de incolumidade. O público se choca porque se vê.  

O cenário nebuloso, os figurinos épicos e a musicalidade deram um tom poético a uma peça mítica (e de certa forma psicanalítica), que poucas pessoas tiveram a ousadia de montar, talvez, em virtude de sua complexidade. As contradições começam com o título: Dorotéia não é uma farsa, muito menos, irresponsável. A própria protagonista não sabe se quer ser linda ou feia e acaba querendo as duas coisas. Como prostituta, ela fala de amores, ao mesmo tempo em que fala da falta de amor. Soma-se a isso mais um contraste:  a ideia de colocar os homens-jarros, personagens que estão no palco e ao mesmo tempo não estão; assumem a função de personagens e a de espectadores. É tudo muito louco, mas uma loucura que deu certo. 

A temporada no Jardim Botânico nasceu em um momento propício: a comemoração dos sessenta anos de carreira da magnífica Rosamaria Murtinho, que estrela o espetáculo ao lado de Letícia Spiller, impecável como a personagem título. Todavia, a personagem que mais chamou minha atenção foi a menina morta, interpretada por Anna Machado, com desenvoltura impar. Às vezes ela parece mulher, às vezes parece menina.  Dida Camero, Jacqueline Farias e Alexia Deschamps também defendem bem suas personagens. Todo o elenco tem uma presença muito forte em cena. 

Em um momento tão conturbado para o nosso país, onde ultrapassam o limite do bom senso com tantos discursos de ódio, a dramaturgia de Nelson, sempre atual, questiona o radicalismo ao proporcionar o embate entre as feias e a bela Dorotéia. O mito da beleza desmorona. Todo mundo envelhece. É preciso saber envelhecer. Algumas falas remetiam ecos, representando as ideias pré-concebidas que se espalham entre as pessoas.


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