sábado, 6 de fevereiro de 2016

Entrevista com Márcio Zatta

1)   Acredito que o teatro precisa provocar. O público pode gostar ou odiar, mas não pode sair indiferente. Das peças que assisti, a mais provocante, em todos os sentidos, foi Apocalipse. Então, venho aproveitar este espaço para entrevistar o diretor deste polêmico espetáculo. Márcio Zatta, em primeiro lugar, qual é a sensação de apresentar uma peça em uma casa, fazendo o espectador percorrer os diversos cômodos?

MZ: A sensação é de prazer pleno ao perceber que o objetivo foi e só seria atingido se o trabalho fosse realizado desta forma.  O espaço escolhido agrega questões fundamentais. O suspense causado por trafegar por entre locais desconhecidos, espaços distintos com formas geométricas também distintas, proporcionando a plateia uma observação prismática diferente, possibilidade de temperaturas e cheiros diversos em cada cena, maior proximidade entre o elenco e publico e em determinados momentos a inserção deste público nas cenas, entre outras.


2)   De onde saiu a ideia de montar Apocalipse? Como foi a preparação do elenco e a repercussão da peça?

MZ: A ideia surgiu em 2002. Eu recebi um convite para implantar um curso de teatro profissionalizante no interior de Minas Gerais, na cidade de Divinópolis. Quando estava por lá, conheci o autor e dramaturgo Izaac Erder e falei pra ele que estava afim de escrever uma peça de teatro que se passasse dentro de uma casa. Ele me perguntou se eu já tinha o argumento  e respondi que seria algo que mostrasse a realidade atual. Fui para o hotel onde estava hospedado e comecei a pensar. Foi aí que me veio a ideia de aproximar o apocalipse bíblico dos dias atuais e escrevemos a peça em parceria.

Cena de Apocalipse


Ensaiamos durante sete meses, cinco dias por semana. Mergulhamos no processo Artaudiano, pois eu queria pontuar o espetáculo em cima do Teatro da Crueldade e principalmente do Corpo sem Órgãos. Ensaiamos exaustivamente e fomos muito mais fundo nas cenas do que realmente levamos para a encenação, para que se tornasse uma coisa simples e cotidiana tudo o que acontecia na encenação para os atores, como se recebessem por osmose. E conseguimos atingir esse objetivo.
A repercussão do espetáculo foi a melhor possível, desde a primeira montagem em Vitória-ES, onde sites especializados do teatro local, costumam pontuar que “Apocalipse” marcou época no teatro capixaba e até hoje sou procurado por estudantes capixabas de teatro para falar sobre o processo de montagem da peça. Aqui no Rio, da mesma forma. Sempre pedem para a peça voltar. No final do ano passado o processo de montagem da peça serviu para a tese de uma estudante de Técnicas de Prevenção contra Acidente no Trabalho. Ou seja a repercussão foi ótima.

3)   No que diz respeito às reações dos espectadores, o que foi mais inusitado em Apocalipse?

MZ: Como disse, as cenas geram uma proximidade intensa e muitas vezes interativa com o espectador. O espetáculo é constituído essencialmente de cenas muito fortes e realistas. O que causa emoções e sensações diversas na plateia. Já aconteceram situações fantásticas entre elenco e plateia e entre os próprios espectadores com eles mesmos. Exemplos: Términos de relacionamentos de casais, por motivo de ciúmes, dentro da cena do Inferno, ao mesmo tempo que várias pessoas interagiam com o elenco desta cena, vômito de um espectador na cena dos Fanáticos Religiosos, uma pessoa pedindo para sair por não suportar ver as humilhações que acontecem na cena da Prostituta Maria Madalena, choro compulsivo de espectadores na cena da Criança, entre outros acontecimentos. Em resumo, a cada apresentação, surpresas e situações inusitadas podiam acontecer e geralmente aconteciam.



4)   Você também montou As Mulheres de Nelson que ficou em cartaz na Sala Atores de Laura. Pretende voltar com Apocalipse e/ou Mulheres de Nelson? Pode falar um pouco sobre os seus projetos atuais?

MZ: Sim, estivemos com “Mulheres de Nelson” na Sala Atores de Laura e também no Rampa Lugar de Criação, em Copacabana. Além de percorrermos alguns Festivais, onde a receptividade da crítica especializada, a classe artística e público em geral foi muito boa. Pretendemos voltar sim tanto com Mulheres de Nelson e também Apocalipse.

Cena de Mulheres de Nelson
Cena de Mulheres de Nelson


Em 2015, a Cia. Teatro da Estrutura, esteve parada, pois decidimos fazer uns trabalhos particulares que estávamos afim de realizar. Então desde junho do ano passado venho realizando dois projetos com a CATP – Cia de Arte e Teatro Popular, que tem sede em Jacarepaguá. O Projeto Práticas de Montagens, que leva a cada dois meses quatro cenas curtas à sede da CATP. Estas cenas na maioria das vezes são realizadas com alunos das oficinas da CATP, mas isso não é uma regra. A [única regra que existe é que as cenas primem pela qualidade e que os alunos possam executar na prática o que aprendem na teoria. Metodologia teatral, encenação de grandes autores e cenas autorais também. Já encenamos Pirandello, Suassuna, Nelson, Marquês de Sade, Strindberg, entre outros. O outro projeto chama-se Teatro na CATP, onde também a cada dois meses encenamos espetáculos de até 40 minutos de duração. No momento estamos com um espetáculo na linha do Teatro do Abusrdo, chamado “Partícula de um Qorpo-Santo”, onde peguei o texto “Matheus e Matheusa” e fiz uma adaptação, interferência e direção desta peça, que é do gaúcho Qorpo-Santo, considerado o primeiro ensaísta do Teatro do Absurdo.  

Cena de Partícula de um Qorpo-Santo




5)   Vejo nas peças que você dirige um pouco de Brecht, do próprio Teatro do Absurdo... Também vejo um pouco de Nelson Rodrigues. Quais são as suas referências?

MZ: Procuro desenvolver um teatro autoral, mas lógico que tem referências fundamentais para este desenvolvimento. Artaud, Brecht e Grotowski. Aqui no Brasil o Antunes Filho e na questão do Teatro Ritualístico o Zé Celso.

Cena de Mulheres de Nelson


6)   Na sua opinião, o brasileiro gosta de teatro? O que ele procura no teatro?

MZ: O brasileiro gosta de teatro. Mas com a massificação (super clichê isso, mas fazer o quê?) imposta pelos meios de comunicação, em especial a TV Aberta (Plim Plim), o brasileiro acaba buscando no teatro uma extensão do que vê na televisão. Ou seja ele não vai ao teatro pra ver uma grande encenação, um bom texto. Ele vai pra ver o ator X, a atriz Y, que são carinhas que entram em suas casas sem pedir licença, todos os dias pela TV.

Cena de O Grande Circo Imaginário


7)   O que você não colocaria em uma peça de teatro?

MZ: Um texto ruim. Acho fundamental a escolha de um bom texto, para que se conduza uma encenação relevante.

8)   O que é o Teatro da Estrutura?

MZ: O Teatro da Estrutura é um método teatral que criei e venho desenvolvendo desde 2007, quando morei em Curitiba com uma Cia. que levei de Vitória-ES pra lá. O nome do método acabou se transformando no nome da Cia. que criei em 2008 aqui no Rio.
O método “O Teatro da Estrutura”, falando de modo superficial e rápido, procura unir a verdade do ator, da personagem do texto e de uma terceira pessoa que tenha relação direta com o que é dito no texto. A junção destas três verdades, formam a “verdade absoluta” da personagem que vai pra cena. Aí pra chegar nisso existe uma infinidade de exercícios que venho desenvolvendo a nove anos.

Cena de Hierarquia, Nem Anjo Escapa

Cena de Senhorita Júlia

Cena de Pirandelo Reduzido e Ampliado




9)   Comecei a entrevista falando sobre a sua peça que mais me marcou, Apocalipse. Agora quero falar da primeira do primeiro trabalho seu que assisti. VEM! Por que esse nome? Você tem essa necessidade de escancarar as feridas do ser humano? O seu ego, as incertezas... As certezas, sempre tão frágeis... o estresse do dia-a-dia? Por quê? Quem é Márcio Zatta e o que ele quer mostrar ao público?

MZ: Então, Brunno. Coloquei esse nome VEM!, porque a cena fala de um chamamento que o ser humano precisa fazer pra si mesmo, pra que ele pare e veja o quanto ele tá envolvido e se preocupando demasiadamente com coisas que na maioria das vezes são completamente fúteis e desnecessárias à sua felicidade. A maioria destes seres humanos só percebem isso quando sofrem um derrame, um infarto, que os deixam com sequelas para o resto da vida.

Cena de VEM!


Sou um diretor de teatro que procura fazer o que acredita dentro do teatro. Costumo sempre dizer esta frase em relação ao teatro que desenvolvo: Pra mim o Teatro tem que tocar nas feridas e despertar questionamentos. Tem que colocar o público pra pensar. Transformar de alguma forma a sociedade em que vivemos. Acredita em um teatro cênico e principalmente pós cênico, onde o público saia do espaço de encenação pensando e refletindo sobre o que assistiu.

Cena de Decifrando Sade








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